Há um vício em andamento. As letras vivem seu pequeno deleite sempre que por elas passam os olhos dos leitores. A vida há nas letras ou nos olhos de quem lê? sentencia o conhecedor: há de ser nas mãos de quem escreve. Evite esforço, aqui não há espaço para respostas. É a contrução que nos interessa, o caminhar, o processo, a empresa de fazer um pensamento. Espaço da criação do futuro da literatura brasileira. Ler e escrever: o remédio para o vício da criação.

26 janeiro, 2007

Tirou os sapatos porque molhavam o chão

Tirou os sapatos porque molhavam o chão. Não saberia viver naquela tarde caminhando sob o chão molhado. Ela tinha gosto em andar com os pés descalços, os esfregando no canto das paredes, gelados, ásperos, acabava toda se esfregando na parede, gelada, áspera, aquelas paredes brancas. Sentia um vazio ao pensar no branco, tinha um pensamento freqüente de que o branco era a cor das almas que viviam só. Um dia quis pintar suas paredes e teve preguiça, então pintou seu próprio corpo, que era branco como as paredes e tão só quanto as almas. Afundava a esponja na tinta e depois a espremia devagar, tinha uma sensação tão boa quando o espremer fazia a tinta demorar a cair. Então passava, passava sobre a pela a tinta, deixava a esponja de lado e com as próprias mãos esfregava essa tinta nas pernas quando teve então um pensamento: o vermelho é a cor daquelas almas que conhecem o abismo da paixão. Então pintou os pés de vermelho, e depois as canelas e depois as pernas. Pintou a barriga, contornou as costelas, retocou o quadril e pintou os seios por cima da blusa, e pintou o braço direito, e depois pintou o pescoço e então o braço esquerdo. Pintou os lábios e teve vontade de que os lábios se tocassem, como se um fosse provar o outro. Pintou novamente os seios e teve vontade de tirar a blusa. Então teve um pensamento: se mergulhasse os pés no balde de tinta vermelha, seria como mergulhar os pés no abismo da paixão. O balde pequeno permitiu que apenas o pé direito nadasse na tinta gelada. Retirou o pé direito e o esfregou na parede, enquanto mergulhava o esquerdo no balde. A troca dos pés a levou em mil pensamentos, que resultaram nessa correria, pois ela agora corre para o lado de fora, onde há chuva. Se joga na grama e rola sorrindo olhando para o céu. E sem dizer uma só palavra perguntou a deus porque ele não havia de dar a ela ao menos um amor na vida. Já não sorria e ainda olhava para o céu, continuava a fazer suas perguntas ao deus daquelas bandas, mas ainda não disse nenhuma palavra. Os olhos castanhos se arregalaram com o aumentar da chuva: na paixão da correria as portas ficaram abertas, e agora a água entrava na casa. Não saberia viver naquela tarde caminhando sob o chão molhado.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

cara... seus contos são muito foda... hehehehehhe... só não conhecia o "Tirou os sapatos porque molhavam o chão" que é muito foda...


vc tem uma mente pervertidamente brilhante! uhahuahuauhauhauhauhauhua

3:31 AM

 
Blogger Luciana said...

Sabe aquele seu comentário sobre o livro de Daniel Galera, no início do seu blog?
Acredito que daqui a menos tempo do que imaginamos estarei lendo em alguma crítica por aí algo muito semelhante com o nome de Thiago Almeida.

1:28 AM

 

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