Há um vício em andamento. As letras vivem seu pequeno deleite sempre que por elas passam os olhos dos leitores. A vida há nas letras ou nos olhos de quem lê? sentencia o conhecedor: há de ser nas mãos de quem escreve. Evite esforço, aqui não há espaço para respostas. É a contrução que nos interessa, o caminhar, o processo, a empresa de fazer um pensamento. Espaço da criação do futuro da literatura brasileira. Ler e escrever: o remédio para o vício da criação.

25 junho, 2010

Carta na Garrafa

O mundo acabou primeiro do lado de cá.

Mas ainda me restam cabeça e mão direita.

Na manhã fresquinha do dia de hoje a aurora pareceu dobrar-se.

Uma linha azul-marinho parecia fixada no horizonte e logo pensei ser eu o primeiro homem a ver um meridiano em carne e osso.

Então caminhei na sua direção, caminhei a gastar horizontes.

Quando finalmente me aproximei do meridiano ele ameaçou desmoronar.

Pedaços de tinta gigantes pingavam no chão abrindo buracos.

O meridiano desbotou-se desarmando o horizonte.

Corri feito leão mas um pingo de tinta me separou as pernas do corpo.

Enquanto me restam cabeça e mão direita envio este alerta a você.

Em algum momento esta dobra estranha vai quebrar a paisagem da sua janela.

Até lá, viva como puder.

17 maio, 2010

A história de Joaquim Monteiro

"Não conheço Joaquim Monteiro preso neste quartel".

Na tarde mais importante de minha vida dediquei todo meu tempo aos sorvetes e à língua de Carmem.
Nos banquinhos de uma Cinelândia fresca de inverno eu não me cansava de por o nariz na boca de Carmem e inspirar o aroma anestésico que aquela mulher trazia na alma.

Carmem efetivamente possuia o dom da anestesia. Eu, besta, possuia nada mais que bolsos repletos de livretos e anotações monotemáticas riscadas em papéis de mesas bar.

Mas na vida tudo o que não é dor é davaneio. E pegaram Carmem assim.

E riscaram o abdomen de Carmem de fora para dentro. E abriram seu tronco feito manga no verão e por minutos intermináveis inalaram extasiados o perfume selvagem de dentro dos ossos quebrados de Carmem. A deixaram viva com as vísceras expostas, feito um jardim bonito de camélias e crisântemos.

E me pegaram.

E riscaram minhas pernas com fios elétricos e puseram meus pés em baldes de água fria durante mais de sete dias. Esmurraram meu fígado até a carne moer.

Graças a deus tenho braços fortes.
Sou Joaquim Monteiro e decidi contar minha história neste blog de Thiago Almeida.

06 abril, 2010

Os Derivativos

A vida não é matemática.

O amor não é matemática e ponto.

O amor é aula de português, pronomes possessivos:

- O meu no teu.

13 março, 2010

Há vultos rondando meu quarto

Há vultos rondando meu quarto.

Um homem quando anda pelo mundo gasta muito além das solas de sapatos.
Muito além que mãos nos bolsos ou paletós na serração ou noites mal dormidas.

Um homem anda pelo mundo a gastar o coração.

Caminha errante à procura de si mesmo, de olhos em punhos a mirar a força dos horizontes.

Um homem caminha pelo mundo a gastar horizontes.

Um homem descobre em xícaras de café que cada um é muitos e neste gole resíde a felicidade.
São livros de bolso, sacolas artesanais, cafés pretos, cafés fortes.

Não escrevo há 150 noites.

Ando de mal com a loucura.

Um dia desses os convidarei novamente para um cafezinho.
Os convidarei a andar pelo mundo novamente.

Enquanto isso, ficam errantes, feito meninos da roça.
Estão ansisos, rondando meu quarto.

12 setembro, 2009

O Senhor Nogueira








O Senhor Nogueira habita o número 62 da Rue Tournefort há poucos dias. Vem de longa e trabalhosa mudança, quando passou dois meses a embalar a plástico sua coleção de livros proibidos.





Neste exato instante deseja somente sorver com os lábios seu café com leite espumado, e admirar as mocinhas que brincam na Rue Tournefort.





Debruçado a janela, vê passar pela primeira vez o Senhor Mutoi, propietário da quitanda mais importante do bairro.





--------------------------------------





O Senhor Mutoi vive há mais de décadas no número 47 da Rue Du Pot De Fer, com sua esposa costureira e o par de filhos inúteis.



É o dono da quitanda e seu produto mais vendido é mesmo abobrinha.



É avesso à crianças e animais de estimação, sendo o seu tempo livre dedicado aos trabalhos manuais com lajota.


Ao cruzar a esquina e adentrar pela Rue Tournefort, observa janelas que se abrem no antigo e há muito vago apartamento do prédio 62.


Sente o corpo excitado com o potencial novo cliente de sua quitanda.


--------------------------------------------

Na primeira casa da Rue Amyot acaba de acontecer um crime brutal.

Os gritos são assustadores.

E continua nos próximos dias.

Conversas com Dalton Trevisan

A Priminha

Aos treze anos a priminha era a sua maior rival. Tinham a mesma idade e moravam no mesmo bairro. Disputavam a atenção do rapazinho mais velho que vinha de outra cidade.

Um dia convidou os amiguinhos para o banho de piscina. A molecada se esbaldou a tarde toda.

Quando escurecia foram se secar nos brinquedos do quintal.
Decidida a convidar o rapazinho a se sentar no banquinho do balanço com ela, fica em choque ao notar a cena: a priminha a dividir o rema-rema com o rapazinho, num esfrega-esfrega de gente grande.

Voltou à piscina, decidida a se afogar entre as bóias de brinquedo.


--------------------------------------------


Festinha de aniversário


No dia de seus doze anos a mocinha decide dar o primeiro beijo no namoradinho da escola.

Correm para o matagal atrás da garagem.
Beijinho de estalinho, como manda a cartilha.

O namorado dá o beijinho e saí correndo em disparada deixando a mocinha a chorar e a pensar que seu beijo é ruim. Inconsolável entre arbustos, festa fracassada.

O pobre rapaz, envergonhado, enraivecido, a esbravejar rua afora contra as calças de moletom.

08 setembro, 2009

Para você, que acha que qualquer ventinho é espírito

Eu gostaria de dizer a você algumas palavras fortes, dessas que deixam a boca amargando enquanto são ditas. Eu passei meus últimos dias de estômago embrulhado, a consultar vernáculos, a conjugar verbos e premeditar vírgulas num estado permanente de náusea. A própria pele, que me está amarelo pálida de vitaminas ausentes, a minha pele eu permiti ser transposta pela lâmina fria e pontiaguda do discurso que eu ensaiei para fincar em você. Sou cobaia do meu veneno verbal.

Pois eu que sou duro feito pedra me vejo agora em cacos, eu que não racho fácil virei tábua partida ao meio. E somente assim sinto o peito arfar mais calmo. Porque se a vingança é um prato frio, a certeza é mesmo um perfume, e sinto já o cheiro morno do teu crânio rachado. As minhas palavras vão sair da boca feito uma reza maldita, em sussurro lento e gradual. Feito um aspirador vão sugar teu sangue sujo e preto, até que os músculos sintam sede e ardam e murchem e oscilem e te abandonem. Eu quero você imóvel, dobrada num canto qualquer.

E finalmente vou servir-me do vinho outra vez, comerei um porco em exaltação à tua desgraça. Comerei o mesmo animal que engordarei com os teus restos, o mesmo porco que chegará em molho pardo à minha mesa trazendo em seu fígado o sabor acre das tuas vísceras cretinas. Porque no fim é isso, a tua marca no mundo foi essa cretinice jovial.
Eu vou te transformar em alma penada. Mas irás penar sem as pernas e sem a garganta. Farei leilão em formigueiros com tua língua, teus olhos. Quero que você veja em cores vivas a terra comer teus últimos instantes, quero que você sinta o gosto doce do esterco no teu segundo derradeiro.

Eu vou te mostrar que deus pode pouco com as garras do demônio. Porque só assim eu te salvarei, só assim eu te pouparei do verdadeiro sofrimento. Porque eu te salvo acabando com a tua vida, evitando assim que você mesma o faça.

05 setembro, 2009

Sobre a Copa de 98, romenos e outono


A canção de Cassiano diz, que há um lugar para ser feliz, além de abril em Paris: Outono no Rio.
Porém, é o outono parisiense que tem proporcionado as paisagens e imagens mais belas que vi atá agora na França.
Nesta tarde fui até Saint Denis, distrito de Paris, para assistir a partida válida pelas elimatórioas da copa do mundo de 2010, França x Romênia.
No por do sol mais bonito que já vi em Paris, me emocionei profundamente ao entrar no Stade de France. Em 1998 eu era um menino que acompanhava de perto pela primeira vez uma copa do mundo, e que assistiu apaixonadamente os jogos pela tv.
Palco da abertura e da final, o Stade de France sempre foi um de meus preferidos, e agora entrou para a lista dos estádios que conheço:
1 - Municipal de Juiz de Fora
2 - Municipal de Três Rios
3 - Maracanã
4 - Engenhão
5 - Stade de France
O jogo foi morno, com destaque para Thierry Henry, um mito do futebol, e Anelka, de forma surpreendente o melhor em campo, na minha opinião. Jogou aberto pela ponta direita, vindo buscar o jogo na metade do campo. Henry fazia o mesmo pela esquerda.
E como foi bom torçer para a Romênia. E como foi bom ver o gol de empate da Romênia já na metade do segundo tempo.
E como foi a minha quase vingança.
Quando faltavam 6 minutos, fui embora, havia de pegar o trem para voltar a Paris.
Cheguei em casa com a certeza única de que tenho que levar meu pai neste estádio.

30 agosto, 2009

Entrevista com Jaca - PARTE 1

Em 19 de agosto deste ano, após a publicação de posts reveladores sobre a intimidade, até então inédita para o grande público, entre Jaca e o autor deste blog, recebi um misterioso cartão de visitas em papel almaço. Nele havia um convite com determinação de dia e horário para um jantar na cidade de Cracóvia, na Polônia. Nenhum sinal do remetente. Em nome do jornalismo audacioso, comprei imediatamente a passagem PARIS-CRACOVIA e na data combinada cheguei ao restaurante. A primeira surpresa foi se tratar o referido estabelecimento de um restaurante muito especial, o secular e soturno Milk Dance. A segunda surpresa foi descobrir a identidade do misterioso remetente, que fazia o convite não somente para um jantar especial. Estava interessado em oferecer uma entrevista exclusiva a este blog, e revelar os bastidores de grandes esquemas agrícolas e agridoces mundiais. A seguir a primeira parta da corajosa e reveladora entrevista de Jaca, concedida a este "ça s'ecrit comment?" na madrugada de 19 de agosto de 2009 sob delícias de carnes de pássaros e taças de mate com gim, no famigerado Milk Dance, em Cracóvia.



Blog: Primeiramente gostaria de agradecer sua generosidade, ao decidir quebrar seu silêncio após tantos anos, justamente através deste Blog. Por isso, inevitável se apresenta a primeira questão: O quê o levou a decisão de conceder esta entrevista?

Jaca: A honra é um dos maiores prazeres entre os quais um homem pode desfurtar, sempre dizia Ananda Chandra. Para mim é um caso de honra extrema estar aqui neste restaurante histórico a falar ao povo brasileiro através deste seu veículo de comunicação genial e tão bem sucedido na Europa. Mas respondendo a sua pegunta de forma objetiva, há um grande complô armado no campo do milho. Indícios apontam para um grande golpe a ser aplicado na costa africana, região de forte produção deste alimento. Tenho sofrido pressões e ameaças, sendo assim decidi vir a público comentar o assunto.

Blog: Mas como você obteve tal informação e quem seriam os facínoras a tramar tamanho golpe malígno?

Jaca: Tenho négocios no ramo de tomates no sudeste asiático. A cada dois anos frequento a Bienal do Tomate, realizada pela ultima vez em 2008 justamente aqui em Cracóvia. O tema central do evento foi "A ervilha como ameaça ao molho à bolonhesa". Em conversas de bastidores tive acesso à informação de que o primeiro passo dos produtores de ervilha caseira na direção a tomar conta do mercado que hoje pertence ao tomate (e consequentemente ao molho à bolonhesa, principal mercado do tomate em nível mundial), seria um ataque a cadeia produtiva do milho.

Blog: Mas porque atacar a cadeia produtiva do milho?

Jaca: Bom, isso eu não sei.

Blog: Entendo. Muito bem, sendo assim quais seriam as providências a evitar tal ataque e quais consequências teríamos caso um ataque como este vier a se efetivar?

Jaca: Ora, "Elementar meu caro Jacob" (interrompo a resposta e explico que não é "Jacob", mas Watson, assistente de Sherlock Holmes, a quem a famosa frase se refere...e eis que Jaca me explica que na verdade ele se refere a Jacob da ilha de Lost. Afirma que o grande mistério que está próximo de ser revelado no seriado é justamente que Watson é Jacob.), teríamos um grave acidente na cadeia alimentar e disturbios sociais. Inúmeros insetos habitam as plantações de milho, e são responsáveis pelo controle de pragas. Além disso os insetos dos milharais são os grande predadores das aranhas armadeiras, capazes de matar uma criança em 9 segundos com suas picadas heterogêneas. Há um forte risco de uma epídemia de aranhas armadeiras no litoral africano. E por fim, temos que levar em conta a prática de coito e sodomia nos milharais por parte da população que pratica o plantio. A interrupção destas atividades poderia provocar os disturbios sociais aos quais me referi, além de impactar nos níveis de natalidade destas regiões.

Blog: Há tempos que não nos encontramos pessoalmente, e como de praxe, me impressiono com sua desenvoltura para abordar temas de interesse mundial e de influência direta na paz do universo. Sendo assim, gostaria de tocar num tema polêmico. Recentemente um tablóide norueguês publicou reportagem que demonstrava uma forte ligação entre você e o presidente Obama, meses antes do início da campanha eleitoral nos EUA. Gostaria que você comentasse o assunto.

Jaca: Sim, tivemos um rápido encontro e nele se deu apenas um breve diálogo.

Blog: Poderia narrá-lo a nossos leitores?

Jaca: Posso, claro. O presidente me comprimentou e perguntou como iam as coisas, respondi que iam bem. Em seguida me disse ter ouvido falar sobre a expansão do mercado de canudinhos no nordeste brasileiro, um négocio hoje na casa dos 3 bi anuais. Eu confirmei dizendo a ele "De fato, temos hoje um mercado sólido de canudinhos no Brasil". Logo, me questionou sobre a chance de o governo brasileiro aceitar um acordo para exportação do produto aos EUA, e prontamente respondi "Acho a proposta viável e interessante para nós". Obama perguntou então se eu poderia levar a questão diretamente ao então ministro da agricultura, e respondi "Evidemente posso. Aliás aproveitarei a oportunidade para explorar o tema da exportação dos canudinhos já com doce de leite. Seria matar dois coelhos com uma cajadada, não?". Obama sorridente e surpreso então me lançou a pergunta final, "Oh! seria fantástico! Mas vocês conseguem de fato nos exportar os canidinhos já com doce de leite?". Categórico, respondi "Yes, we can". Obama correu para perto de seus assessores e pediu que fizessem anotações a cerca de nossa conversa.


Continua no próximo post...

29 agosto, 2009

Fríolges, abacates e torresminho

Era um restaurante colombiano.

Era um lindo fim de tarde outonal em Paris.

Era para ser uma noite de saudades matadas, a começar pelo arroz com feijão.

Mas acabou sendo uma noite de saudades eternas.

Ás oito a noite eu e o colombiano tamomos o metrô mais próximo do escritório, Madeleine. Seguimos até a linha 3, mais dez minutos e chegamos em Rue Saint Maur e no céu os riscos formam uma geometria típicamente parisienese.

Os colombianos se multiplicaram em poucos segundos. Um deles soprou em meu ouvido, "è um lugar do povo, sabe. Não se preocupe pois a comida é boa".

Entre garçonetes, violas e linguiças eu senti um cheirinho do Brasil. Foi desleal.


São apenas 34 croissants a comer.

Um para cada dia que me resta neste país.