Há um vício em andamento. As letras vivem seu pequeno deleite sempre que por elas passam os olhos dos leitores. A vida há nas letras ou nos olhos de quem lê? sentencia o conhecedor: há de ser nas mãos de quem escreve. Evite esforço, aqui não há espaço para respostas. É a contrução que nos interessa, o caminhar, o processo, a empresa de fazer um pensamento. Espaço da criação do futuro da literatura brasileira. Ler e escrever: o remédio para o vício da criação.

02 junho, 2009

Camus sou eu

A infância em Minas Gerais atiça umas vontades curiosas nas crianças que acabam se tornando estranhos hábitos durante a adolescência. Eu digo isso não apenas por ter crescido no interior de minas e conhecer de dentro de mim mesmo estes faniquitos, mas principalmente por observar um bocado de amigos que assim também o são. O menino que cresce em minas vai levando a vida numa toada boa de lenta, ao ritmo da bicicleta, do cavalo pangaré, da bola. Mas há nisso tudo uma pressa curiosa que anda na espreita, anda por baixo dos panos, por baixo das saias. O amor florece cedo nas Minas Gerais. E tudo é num segundo. O garoto aprende desde o princípio que há o momento certo de todas as coisas, não adianta deixar pra depois o que só pode ser sentido no agora, é colocar a coisa no lugar certo e na hora certa. Eu trouxe comigo para a vida adulta essa noção de que há questões que não podem ser adiadas, assim como há questões que precisam ser adiadas para que possam ser verdadeiramente desfrutadas. Seria esta então a principal instrução dos amantes. No dia em que completei 17 anos fui até uma livraria para escolher meu presente. Desde os 15 anos cultivo o hábito de me presentear no meu aniversário. Comprei dois livros, entre eles O Estrangeiro de Albert Camus. Não entendo com precisão o motivo, mas a leitura deste livro me remeteu o tempo todo à infância. Talvez pelo fato de eu ter sido realmente um estrangeiro em minha própria terra enquanto criança, é minha hitpótese favorita. Eu sofri lendo Camus, a cada frase eu pensava "que filha da puta este escritor, vai derramando esta sua depressão em cima dos leitores tal qual se espalha uma epidemia de tristeza". Eu realmente sofri lendo Camus, mas li o livro todo em dois dias, dois pequenos intervalos, sendo um para dormir e outro para tomar um café forte. Ao fim das primeiras cinco páginas, mesmo amargurado eu já tinha a clareza sobre como deveria ler aquele livro. Não havia escolha, ou iria até o final ou não nunca mais o leria de novo. Como era presente de aniversário comprado com meu própdio dinheiro eu não hesitei.

Dias antes minha professora de literatura, Elizabeth, havia explicado o conceito de catarse. Eu só pensava na tal da catarse enquanto lia Camus. Era a metáfora da minha infância, adolescência talvez. A lição de não perder o clímax estava posta à prova.
Hoje fui passear pelo Montmartre, um lindo bairro de Paris, famoso por ter abrigado grandes artistas como Dali e Goya. Eram nove da noite e o sol começava a se pôr quando a escadaria da catedral Sacre Coeur ficou tal qual um formigueiro. Era chinês, francês, travestis brasileiros, lésbicas húngaras e mais um monte de gente que é difícil de saber de onde vem. Fiquei ali sentadinho olhando para a cidade, do alto da colina de Montmartre. Lembrei de Camus, que era francês. Lembrei de minas, pensei no que tem sido a minha vida e me senti um estrangeiro.

4 Comments:

Blogger Adriane BMS said...

Mas há nisso tudo uma pressa curiosa que anda na espreita, anda por baixo dos panos, por baixo das saias.

Linda essa parte do texto, amei, muito poética!! Particularmente por eu ser bem mineira também e sentir isso aí!
parabéns, Tiago!
Tudo de bom!
Adriane

8:06 PM

 
Blogger Thiago Almeida said...

Adriane,

agradeço suas palvavras!

Este blog é uma iniciativa super despretenciosa, antes um espaço de exercício que de qualquer ourtq coisa, por isso toda manifestação que surge por aqui é sempre um motivo de grande estímulo para mim!

espero que você continue acompanhando o blog!

abraço

7:04 PM

 
Anonymous Dazza said...

Estava pensando em tentar recomeçar "A Náusea", por saber que estou nele. Mas talvez Camus seja uma melhor opção. Pensei nisso após ler você.

5:35 PM

 
Blogger Thiago Almeida said...

Então se a literatura francesa te interessa, não abra mão de Sartre. no entanto meu favorito é a IDADE DA RAZÂO.

Mas leia Camus, faz bem.

Engraçado, estava eu agora há poucos minutos a falar sozinho sobre o amor nos tempos do cólera, estava eu a falar e falar, e eis que Fermina dazza aparece.

6:30 PM

 

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