Há um vício em andamento. As letras vivem seu pequeno deleite sempre que por elas passam os olhos dos leitores. A vida há nas letras ou nos olhos de quem lê? sentencia o conhecedor: há de ser nas mãos de quem escreve. Evite esforço, aqui não há espaço para respostas. É a contrução que nos interessa, o caminhar, o processo, a empresa de fazer um pensamento. Espaço da criação do futuro da literatura brasileira. Ler e escrever: o remédio para o vício da criação.

05 junho, 2009

O morro do dendê em Paris

Ontem a L'Oreal completou 100 anos de existência, num dia repleto de grandes comemorações. Um café da manhã num famoso teatro na champs elysee, filmes, discursos, bolo, chocolate, champagne e vinho rosé. Presentes, livros de história, perfumes, cafezinhos, almoço especial e festa no fim do dia. Uma jornada realmente inesquecível, principalmente para um brasileiro que sortudo veio estagiar na empresa bem no ano de seu centenário e presenciou um momento histórico.

-----------------------------------------------

Os poucos brasileiros com quem mantenho convívo aqui são pessoas bastante interessantes, artístas, fotógrafos e cineastas. Uma das conversas mais recorrentes e estimulantes sempre gira em torno da presença da cultura brasileira em Paris. Logo no dia de minha chegada tomei um vinho com Fábio Nascimento, meu nobre amigo de épocas já distantes de uma Juiz de Fora jornalística e etílica. Fábio vive há algum tempo aqui, estudante de cinema da Sorbonne, durante nossa conversa, me contava que um de seus ensaios escritos durante o mestrado foi justamente sobre o filme Tropa de Elite. Assim como no Brasil, a história do Capitão Nascimento também fez muito sucesso na França. "Samba", "Carnaval", "Ronaldinho", "Niemeyer" e "BOPE", muito naturalmente, são as palavras que eu mais ouvi por aqui ao dizer que venho do Brasil.

-----------------------------------------------

A festa de comemoração do centenário da L'Oreal estava uma beleza. Ótimas bebidas, pessoas todas muito bem educadas e felizes por presenciarem este momento especial. Havia um DJ tocando músicas que eu suponho serem sucessos nas paradas européias, além de clássicos do pop mundial em versões remixadas. Tudo muito cult, muito cool, muito chic.

-----------------------------------------------

Então algo muito estranho começou a acontecer. Por alguns momentos eu simplesmente achei graça, ora bolas, afinal seria apenas minha imaginação fantasiando melodias inexistentes. Não posso dizer que tudo se passou muito rápido logo nos primeiros acordes, afinal não havia acordes. Havia um ritmo, uma batida que me batia os ouvidos tal como um porrete por sua familiaridade. Achei mais estranho ainda a reação dos francêses. Me senti Levi Strauss chegando no Brasil e vendo as danças macabras das tribos indígenas. Um arrepio profundo me subiu pelas costas quando ouvi os franceses gritando junto com a música "paparapaparaparapatibum", como se num estádio de futebol (brasileiro). Eu não acreditei. Não era plausível ou era o champagne, porém eu tinha a noção de que bebia pouco, tudo muito controlado. O mainstream francês reunido em alta classe, belos vestidos e ternos de luxo que agora se arrastavam pelo chão ou eram balançados no ar pela maré de braços que os içavam ao alto. Então a cena era: Eu, brasileiro e carioca, muito contido, sorriso amarelo mexendo discretamente as cadeiras Vs Os Francêses em alta elegância, transtornados, descontrolados numa dança frenética e hipnótica. Isto sim é ironia, ou inversão de posições. Eles murmuravam algo numa língua que não existe e que se assemelhava a "Morro do dendê é ruim de invadir, nóis com os alemão vamos se divertir, porque no dendê eu vou dizer como é que é, não tem mole pra PM....".
Até agora foi o momento em que eu fiquei mais emocionado aqui em Paris.

---------------------------------------------------

Fiquei tão atônito que demorei a ligar os pontos e perceber que todos ali conheciam a música devido ao sucesso de Tropa de Elite. Eles porém não sabiam o que cantavam. Não sabiam que os autores da música moram na favela e conhecem de perto a verdade que se passa no filme. Não sabem que o conteúdo da letra da música é extremamente agressivo e narra cenas de uma guerra urbana. Eles não sabem tudo aquilo que nós brasileiros sabemos, tudo aquilo que é responsável pela formação do preconceito horroroso e hipócrita que é padrão na classe média e elite no brasil.
Eles apenas compreendem a linguagem artística, entendem a música e sua harmonia, e sua melodia e desfrutam disso como podem. A favela carioca é um lugar do qual não devemos nos envergonhar como fazemos hoje. Nela também se produz coisa boa, e com ela podemos aprender coisa boa. Eu fico pensando como se sentiriam os garotos que fizeram este funk do morro do dendê se estivessem ali no meu lugar. Talvez tenha sido este pensamento o que provocou a minha profunda emoção ontem. Fiquei muito orgulhoso deles.

12 Comments:

Blogger Bruno Trindade said...

Sensacional o texto Thiago! To imaginando a cena dos gringos, com dedinho pro alto, simulando uma metralhadora... huauhahuahu

Grande abraço e sucesso na jornada aí!

8:16 PM

 
Blogger Thiago Almeida said...

valeu cara!

grande abraço!

6:26 PM

 
Blogger Daniel Fonseca said...

Os garotos do morro do dendê que criaram essa música, se tornaram grandes traficantes e assaltantes, e tiveram um trajico fim durante confrontos com policiais.

Deixaram cada um uma viúvia grávida de 14 anos, e hoje seus filhos que mal sabem ler e escrever já brincam de traficante e bandido nas ladeiras do morro.

E sim... Talvez os garotos que fizeram este funk do morro do dendê se sentiriam como você se ali em seu lugar estivessem...

7:03 PM

 
Blogger Thiago Almeida said...

cara, os caras não tiveram oportunidades na vida.

7:27 PM

 
Blogger Unknown said...

Eu entendi!*Thiago!*Talvez se eles soubessem , vissem o que vc viu, eles teriam outra motivação e esperança na vida!*Eu entendo!*MAs tb, talvez mesmo assim eles tivessem escolhido o destino de soldados do morro!*Assim como eles, outros meninos tb poderiam servir ao tráfico, mas escolheram não faze-lo!*
Mas eu entendo o seu ponto de vista e acho que vc escreve pra caralho"*!
Um cara inteligentíssimo que me faz falta de conversar por aqui!*
Ainda bem que a gente conversa por aqui!*Dá até alívio*"!Ggrande beijo!*Bruno Falcão!**

8:34 PM

 
Anonymous Bruno Bernardino said...

Daniel Fonseca,

O garotos que criaram essa música não são do Morro do Dendê. A versão que na época circulava nas rádios era de Junior e Leonardo. A gravação que tem no filme foi criada por Cidinho e Doca, que todos conhecem (Rap da Felicidade) e são da Cidade de Deus.

Que eu saiba, os dois continuam vivos e cantando até hoje, e não li nada até agora em jornais sobre o envolvimento deles em tráfico de drogas, roubos... E muito menos ter deixado duas viúvas de 14 anos (que poderia ser classificado como abuso infantil pela idade deles - aproximadamente 30 anos).

Cuidado com as palavras. Não sei se você criou esta história ou se leu ou escutou em algum lugar, mas é sempre bom verificar as "fontes"...

Quanto a MCs que viram traficantes, esses sim tiveram uma outra oportunidade na vida. A música esteve presente neles, assim como o AfroReggae, MV Bill, Prateado (um dos maiores produtores nacionais), MC Buchecha (que hoje mora no Jardim Guanabara), e tantos outros músicos oriundos das favelas cariocas...

4:05 PM

 
Blogger Daniel Fonseca said...

Bruno Bernardinho,

Eu desconheço Doca e Cidinho ou Junior e Leonardo, eles são duplas sertanejas?

Essa minha história contada, sobre tais fatos não passa de uma ficção que muito bem poderia ser verdade. MC's que viram traficantes e morrem em confronto com policiais. E pedofilia é uma coisas que na sociedade atual (tanto nos morros quanto no asfalto), está cada vez mais comum, não deveria ser um choque para você.

A minha "fonte" é super segura - fique tranquilo - pois eu sou minha fonte, e se você se sentiu chocado por tais fatos imaginários, não fique: A SOCIEDADE É CRUEL!

Já diria o grandíssimo poeta, O HOMEM É O LOBO DO HOMEM.

Histórias como essa devem acontecer aos montes e a sociedade não dá a mínima.

Como diria um grande poeta Cearense: A SOCIEDADE É DINÂMICA, E PENSA QUE O FUTURO É PRA FRENTE E O PASSADO ESTÁ MORTO.

Atenciosamente,
O JACA.

6:20 PM

 
Anonymous Bruno Bernardino said...

Daniel Fonseca,

Primeiro de tudo: não fiquei chocado com nada que escreveu ou deixou de escrever.

"O HOMEM É O LOBO DE SI MESMO".

Só tentei levar um pouco de informação para ti e orientá-lo... mas vi que se ofendeu/não aceitou minhas sugestões...

Quanto a tratar pedofilia como algo presente e, supostamente, por você algo banal nos dias atuais, vejo que és a favor da banalização da violência. Presumo que não tenha filhos.

Eu já morei em bairro de classe média e no próprio Morro do Dendê. Por morar lá e conhecer os dois lados, assim como ser editor jornalístico, e por preservar a quem lê, além de acreditar que a pior arma do mundo é a palavra (leia-se dita e escrita) tentei, em vão, levar algo a você que pensei que não soubesse. Desculpe por isso, ok?

E não sei se foi preconceito de sua parte, tanto com o funk quanto o sertanejo, assim soou para mim, esclareço (você perguntou) que Cidinho e Doca são MCs (Cantam Funk) e foram repercussão nacional e internacional, participando de Faustão, Criança Esperança, Xuxa, etc, com o Rap da Felicidade ("Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamenta na favela em que nasci...)"

Eu faço parte da sociedade e conheço muita gente que dá, pelo menos a "mínima" para estórias como a que escreveu. A sociedade não é cruel. Crueldade é algo que parte de poucos "desafortunados" de sensibilidade humana e sem criatividade social.

Passado é algo presente em nossas vidas, porém não está morto. O futuro ainda não ocorreu, por isso não podemos classificá-lo. E o tempo presente não pode conter estórias de cunho alucinógeno pessoal em que alguém resolve criar um fantástico mundo de Bob no tráfico de drogas carioca. Isso pode acarretar coisas que você nem imagina que possa ocorrer, pois não é "imaginário".

Quantas pessoas não leram e comentaram com outras pessoas: O Cidinho e Doca morreram!

Desculpe o incômodo causado. E desculpe ao autor e administrador deste belo blog que hoje conheci, admirei e retornarei, pelo debate aqui acontecido.

2:30 AM

 
Blogger Daniel Fonseca said...

Bruno Bernadinho,

Como diria um outro grande desconhecido poeta: "A DISCUSSÃO É UMA TROCA DE CONHECIMENTOS, O DEBATE É UMA TROCA DE IGNORÂNCIA"

Há na sociedade moderna brasileira de hoje, uma idéia de que o que a mídia dita é popular. Se apareceu na Xuxa e no Faustão tem que ser de conhecimento geral... O poder da mídia acabou!

E não se desculpe ao dono do Blog, pois eu o conheço pessoalmte e ele também não vale nada, apesar de saber escrever.

Percebi porque não gostou da minha história, você é jornalista. Jornalistas gostam da verdade crua, quando interessa a eles né?! Pois qndo não interessa vocês a modificam, certo?

Não vim a este mundo para mudar os valores de outras pessoas, mas como disse aquele velho conhecido poeta cearense: AONDE HOUVER A FÉ QUE EU LEVE A DÚVIDA.

Bom... Digo, emfim, que histórias são pra ser contadas. Contei uma e consegui um debate. Saí no lucro!

Agradecidamente,
O JACA.

9:50 PM

 
Blogger Dud's said...

A sociedade é cruel. Sugiro largar um ser humano afastado da sociedade e sem nenhum tipo de criação. Ele lutará pela sobrevivencia e será uma pessoa má... O instinto do homem é mau e a sociedade é que corrompe a natureza do homem. E tenho dito!

10:02 PM

 
Blogger Thiago Almeida said...

Bruno e Jaca,

Não vou defender a posição de nenhum de vocês, apenas respeito suas idéias.

No entanto o meu objetivo ao publicar este texto foi retratar um fato que me chamou muita atenção pelo seu contexto. Minhas idéias já estão implícitas no texto, eu acredito.

Atualmente eu vivo na França e talvez por estar distante do Brasil minha percepção esteja um pouco distorcida, mas ainda assim tenho plena convicção no presente momento de que o tema Favela precisa começar a ser debatido sobre novos pontos de vista e perspectivas.

No fim das contas o que eu quis mostrar com este texto despretencioso é que a Favela pode sim ser um importante elemento de compreensão e representação da cultura brasileira.

Mas vamos avançar neste debate. Em poucos dias publicarei uma entrevista com Fabio Nascimento, fotógrafo e Mestrando em Cinema na Sorbonne, justamente sobre a repercussão do Filme Tropa de Elite aqui em Paris, e sobre a imagem do Brasil na França.

Muito obrigado por prestigiarem este espaço.

Abraço

Thiago Almeida

8:22 AM

 
Blogger Daniel Fonseca said...

Espero ansiosamente por tal!

3:41 PM

 

Postar um comentário

<< Home