Há um vício em andamento. As letras vivem seu pequeno deleite sempre que por elas passam os olhos dos leitores. A vida há nas letras ou nos olhos de quem lê? sentencia o conhecedor: há de ser nas mãos de quem escreve. Evite esforço, aqui não há espaço para respostas. É a contrução que nos interessa, o caminhar, o processo, a empresa de fazer um pensamento. Espaço da criação do futuro da literatura brasileira. Ler e escrever: o remédio para o vício da criação.

16 agosto, 2009

Parte 2 - Homenagem ao Jaca

Há cerca de 20 anos atrás eu e Jaca nos encontramos por acaso num congresso latino-americano de Jardinagem doméstica, em Buenos Aires. Naquele ano o evento tinha como tema de sua conferência principal "Les Bricolages: avec elegance", a ser ministrada pelo mestre em técnicas de escavação em vegetações rasteiras, o romeno Georgi Letchkov.

Ao fim da conferência de abertura, fui cumprimentar Georgi, que muito entusiasmado com os elogios que os ultimos resultados de seus estudos tinham recebido, me disse a boca pequena, "preciso apresentar alguém a você, um homem que está reinventando a fotossíntese".

Fiquei muito curioso e prontamente perguntei pelo nome de tal gênio, e eis que Georgi me responde, "é um homem muito sereno, um verdadeiro mestre da discrição. Na Romênia é conhecido como Daniel Lupesco, mas têm assinado importantes trabalhos científicos mundo afora no campo da jardinagem doméstica como Jaca".

Senti profunda emoção ao ouvir as palavas do professor Letchkov, e imediatamente seguimos para seu room office no hotel do evento, onde Jaca estava acompanhando a conferência por computadores de bolso.

Uma nostalgia tomou conta do ambiente, e todos começamos a conversar em tchaiquo, a língua oficial dos jardineiros domésticos profissionais. E passamos 5 dias seguidos a conversar sobre as tendências da jardinagem mundial, e sobre os rumos que nosso campo de estudo deveria tomar naquele momento. Tomados por uma forte motivação nao notamos o tempo passar, entre doses de suco de banana e laranjas sem casca, afinal Jaca sempre foi muito ligado as frutas.

Preocupados com o cenário dos jardins na américa, decidimos ter com o então ministro da economia argentina, Cavallo.

Ao saber de nossa presença nos portões da casa rosada, o ministro Cavallo nos recebeu com um banquete á moda islândesa, no qual vários pássaros semi-mortos foram servidos com caldinho de codornas e molhos a base de mandioca crua. Iguarias sem precedentes ao paladar do professor Letchkov, já que Jaca muito acostumado estava com o requinte da boa mesa.

Ao fim da brilhante refeição Jaca pediu a palavra, fincou seus olhos de lince na direção da janela principal da sala em que estavamos, e como num gesto mágico entoou assobios na linguagem universal dos animais. Em poucos segundos pássaros, minhocas e formigas se amontoavam na direção da janela, e Cavallo, muito admirado foi às lágrimas ao notar a sensibilidade social de Jaca.

Em seguida aos assobios, Jaca explicou nossa preocupação ao ministro, "hoje vivemos dias cruéis em que animais silvestres e insetos aqúifreos são pisoteados com frequencia, abelhas tunisianas e coelhos da páscoa estão sendo vítmas do frio e da falta de abrigo, sem falar na má sorte das cobras marroquinas. É preciso repensar toda a estrutura dos jardins mundiais."

Seguiu em exposição de slides sobre o desequilíbrio da cadeia alimentar e o problema da fauna brasileira, explicou o risco que os córregos mineiros corriam de serem extintos, e discorreu em tom de bravata a favor da transposição do ribeirão de mar de espanha.

Ao fim, o ministro Cavallo postou suas mãos em meus ombros e disse, "Este homem é um patrimônio da humanidade, um gentleman das florestas, um homem-aranha da mata atlântica"

No dia seguinte os jornais faziam referência a grande reunião da noite anterior, destacando o brilhantismo do professor Georgi Letchkov, sem única referência a Jaca. Através de seus contatos asiáticos na mídia argentina, Jaca conseguiu se manter longe dos holofotes. Um amante da discrição.


Até a próxima

1 Comments:

Blogger Daniel Fonseca said...

Ano passado, estava eu, o Rei da Tunísia (um amante da jardinagem domestica e belo apreciador de ninfetas russas), o Governador da Australia, a Primeira-Dama Argentina e o Presidente da Jamaica (o maior especialista em plantação de maconha caseira do mundo) numa mesa tomando um belo vinho russo com uvas Malbec chilenas discutindo a influencia de Dostoievski na sociedade medieval japonesa e sem perceber mudamos o assunto para Georgi Letchkov.

Geor, assim como era conhecido pelos amigos era um homem correto e de boa índole, ensinei tudo o que sabia para esse grande gênio que infelizmente deixou este mundo em 1994 ao quando podar suas rosas do jardim teve um ataque epiléptico e acabou com a garganta cortada. Um triste fim para um homem maravilhoso.

Mas nessa reunião em que me referi, lembramos de Geor com grande carinho e no fim lágrimas desceram de nossos olhos e me lembro como se fosse ontem, VOCÊ - Thiago Almeida - entrou pela porta de marfim do palácio de Lancaster e com toda sua delicadeza disse em perfeitas palavras: "Estão chorando porque suas bichas loucas?".

Foram momentos mágicos estes no Palácio de Lancaster na bela cidade inglesa de Glasgow.

RIP Georgi Letchkov.

1:31 AM

 

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