Há um vício em andamento. As letras vivem seu pequeno deleite sempre que por elas passam os olhos dos leitores. A vida há nas letras ou nos olhos de quem lê? sentencia o conhecedor: há de ser nas mãos de quem escreve. Evite esforço, aqui não há espaço para respostas. É a contrução que nos interessa, o caminhar, o processo, a empresa de fazer um pensamento. Espaço da criação do futuro da literatura brasileira. Ler e escrever: o remédio para o vício da criação.

30 agosto, 2009

Entrevista com Jaca - PARTE 1

Em 19 de agosto deste ano, após a publicação de posts reveladores sobre a intimidade, até então inédita para o grande público, entre Jaca e o autor deste blog, recebi um misterioso cartão de visitas em papel almaço. Nele havia um convite com determinação de dia e horário para um jantar na cidade de Cracóvia, na Polônia. Nenhum sinal do remetente. Em nome do jornalismo audacioso, comprei imediatamente a passagem PARIS-CRACOVIA e na data combinada cheguei ao restaurante. A primeira surpresa foi se tratar o referido estabelecimento de um restaurante muito especial, o secular e soturno Milk Dance. A segunda surpresa foi descobrir a identidade do misterioso remetente, que fazia o convite não somente para um jantar especial. Estava interessado em oferecer uma entrevista exclusiva a este blog, e revelar os bastidores de grandes esquemas agrícolas e agridoces mundiais. A seguir a primeira parta da corajosa e reveladora entrevista de Jaca, concedida a este "ça s'ecrit comment?" na madrugada de 19 de agosto de 2009 sob delícias de carnes de pássaros e taças de mate com gim, no famigerado Milk Dance, em Cracóvia.



Blog: Primeiramente gostaria de agradecer sua generosidade, ao decidir quebrar seu silêncio após tantos anos, justamente através deste Blog. Por isso, inevitável se apresenta a primeira questão: O quê o levou a decisão de conceder esta entrevista?

Jaca: A honra é um dos maiores prazeres entre os quais um homem pode desfurtar, sempre dizia Ananda Chandra. Para mim é um caso de honra extrema estar aqui neste restaurante histórico a falar ao povo brasileiro através deste seu veículo de comunicação genial e tão bem sucedido na Europa. Mas respondendo a sua pegunta de forma objetiva, há um grande complô armado no campo do milho. Indícios apontam para um grande golpe a ser aplicado na costa africana, região de forte produção deste alimento. Tenho sofrido pressões e ameaças, sendo assim decidi vir a público comentar o assunto.

Blog: Mas como você obteve tal informação e quem seriam os facínoras a tramar tamanho golpe malígno?

Jaca: Tenho négocios no ramo de tomates no sudeste asiático. A cada dois anos frequento a Bienal do Tomate, realizada pela ultima vez em 2008 justamente aqui em Cracóvia. O tema central do evento foi "A ervilha como ameaça ao molho à bolonhesa". Em conversas de bastidores tive acesso à informação de que o primeiro passo dos produtores de ervilha caseira na direção a tomar conta do mercado que hoje pertence ao tomate (e consequentemente ao molho à bolonhesa, principal mercado do tomate em nível mundial), seria um ataque a cadeia produtiva do milho.

Blog: Mas porque atacar a cadeia produtiva do milho?

Jaca: Bom, isso eu não sei.

Blog: Entendo. Muito bem, sendo assim quais seriam as providências a evitar tal ataque e quais consequências teríamos caso um ataque como este vier a se efetivar?

Jaca: Ora, "Elementar meu caro Jacob" (interrompo a resposta e explico que não é "Jacob", mas Watson, assistente de Sherlock Holmes, a quem a famosa frase se refere...e eis que Jaca me explica que na verdade ele se refere a Jacob da ilha de Lost. Afirma que o grande mistério que está próximo de ser revelado no seriado é justamente que Watson é Jacob.), teríamos um grave acidente na cadeia alimentar e disturbios sociais. Inúmeros insetos habitam as plantações de milho, e são responsáveis pelo controle de pragas. Além disso os insetos dos milharais são os grande predadores das aranhas armadeiras, capazes de matar uma criança em 9 segundos com suas picadas heterogêneas. Há um forte risco de uma epídemia de aranhas armadeiras no litoral africano. E por fim, temos que levar em conta a prática de coito e sodomia nos milharais por parte da população que pratica o plantio. A interrupção destas atividades poderia provocar os disturbios sociais aos quais me referi, além de impactar nos níveis de natalidade destas regiões.

Blog: Há tempos que não nos encontramos pessoalmente, e como de praxe, me impressiono com sua desenvoltura para abordar temas de interesse mundial e de influência direta na paz do universo. Sendo assim, gostaria de tocar num tema polêmico. Recentemente um tablóide norueguês publicou reportagem que demonstrava uma forte ligação entre você e o presidente Obama, meses antes do início da campanha eleitoral nos EUA. Gostaria que você comentasse o assunto.

Jaca: Sim, tivemos um rápido encontro e nele se deu apenas um breve diálogo.

Blog: Poderia narrá-lo a nossos leitores?

Jaca: Posso, claro. O presidente me comprimentou e perguntou como iam as coisas, respondi que iam bem. Em seguida me disse ter ouvido falar sobre a expansão do mercado de canudinhos no nordeste brasileiro, um négocio hoje na casa dos 3 bi anuais. Eu confirmei dizendo a ele "De fato, temos hoje um mercado sólido de canudinhos no Brasil". Logo, me questionou sobre a chance de o governo brasileiro aceitar um acordo para exportação do produto aos EUA, e prontamente respondi "Acho a proposta viável e interessante para nós". Obama perguntou então se eu poderia levar a questão diretamente ao então ministro da agricultura, e respondi "Evidemente posso. Aliás aproveitarei a oportunidade para explorar o tema da exportação dos canudinhos já com doce de leite. Seria matar dois coelhos com uma cajadada, não?". Obama sorridente e surpreso então me lançou a pergunta final, "Oh! seria fantástico! Mas vocês conseguem de fato nos exportar os canidinhos já com doce de leite?". Categórico, respondi "Yes, we can". Obama correu para perto de seus assessores e pediu que fizessem anotações a cerca de nossa conversa.


Continua no próximo post...

29 agosto, 2009

Fríolges, abacates e torresminho

Era um restaurante colombiano.

Era um lindo fim de tarde outonal em Paris.

Era para ser uma noite de saudades matadas, a começar pelo arroz com feijão.

Mas acabou sendo uma noite de saudades eternas.

Ás oito a noite eu e o colombiano tamomos o metrô mais próximo do escritório, Madeleine. Seguimos até a linha 3, mais dez minutos e chegamos em Rue Saint Maur e no céu os riscos formam uma geometria típicamente parisienese.

Os colombianos se multiplicaram em poucos segundos. Um deles soprou em meu ouvido, "è um lugar do povo, sabe. Não se preocupe pois a comida é boa".

Entre garçonetes, violas e linguiças eu senti um cheirinho do Brasil. Foi desleal.


São apenas 34 croissants a comer.

Um para cada dia que me resta neste país.

27 agosto, 2009

O cuscuz e o chouriço

Enfim meados de agosto e o mormaço vai-se embora das ruas de Paris. O céu ainda conserva o azul piscina e o concreto da paisagem urbana continua a absorver o amarelo forte das tardes infinitas de verão. Nas calçadas do Boulevard des Capuccines restam apenas tristes folhas cobrindo o passeio, anunciando com vigor um outono febril.

É o fim das férias de verão, vão-se os turistas e a cidade retoma seu ritmo de bicicletas, piqueniques e cigarros fumados até o talo por ternos magros.

A vida volta à empresa com elevadores e escadas movimentados por corpos bronzeados e cheios de vida.

Logo pela manhã, segunda-feira e recebemos uma ligação: o senegalês nos convida para almoçar.

Chegamos antes, nos servimos e nos sentamos, eu e o colombiano.
Impera a política latino-americana conturbada entre fatias de chevre e porções de cuscuz com chouriço e carrot. Atrasado dez minutos, o senegalês nos reverencia em comprimentos saudosos de quem reconhece nos sul-americanos um quê irmandade; ainda que na pobreza, ao menos há termos em comum.

Como de praxe, logo nos pergunta se bem passamos pelas vacances, três dias para nós, três semanas para ele. O colombiano é eloqüente ao desvendar os mistérios de uma Barcelona ainda enigmática e lasciva. Discorre sobre uma Toscana pizzaiola, comilona bem da verdade, e segue animado o almoço.

Por força do hábito, ou politesse a quem preferia, o senegalês se volta a mim e pergunta o que fiz no verão, e em meu francês capenga conto brevemente sobre Lisboa e seus encantos à moda ibérica. Antes de encerrar minha pífia participação na conversa acrescento meu contento em ter encontrado bons livros escritos em português, os quais trouxe para Paris para leituras imorais.

O senegalês com boca ainda contendo um pouco de cuscuz me considera imbecil. Me explica estar eu perdendo boa oportunidade de ler em francês e assim ganhar mais desenvoltura na língua, “trabalhas em uma empresa francesa e pode exercer maior influência se dominar o francês”.

Explico a ele que não é este o caso, exercito meu francês nos jornais de metrô a caminho do trabalho. Mas ainda não me sobra fôlego para a literatura em francês. Ele é taxativo em sua posição e afirma ser eu imbecil. Eu digo a ele que literatura não tem nada a ver com ler em francês. Literatura não serve para aprender francês ou qualquer língua, argumento.

O colombiano observa atento meus modos, estratagemas do morro.

O senegalês não arreda pé. Explico a ele que na literatura importam menos as histórias, que o processo e as idéias implícitas que conduzem a leituras múltiplas é o que de fato importa. Por isso ler literatura de boa qualidade em francês é inacessível ainda para mim.

Ele discorda, e enigmático eu pergunto se alguma vez ele já leu uma obra de literatura, e ele me responde que sim, duas vezes.

“Crepúsculo, Amanhecer”.
Então à moda da casa eu repito, “não, você me entendeu mal. Eu disse obra literária, não me refiro a historia para boi dormir”.
Ele sorri, acha engraçado a sonoridade da palavra “boi”.

Pergunta o que significa, eu explico que boi é o marido da vaca, ele me acha simpático e com olhos arregalados e metade da comida ainda no prato é taxativo, on vá a café.

Sob o olhar desconfiado do colombiano seguimos para o café.

16 agosto, 2009

Parte 2 - Homenagem ao Jaca

Há cerca de 20 anos atrás eu e Jaca nos encontramos por acaso num congresso latino-americano de Jardinagem doméstica, em Buenos Aires. Naquele ano o evento tinha como tema de sua conferência principal "Les Bricolages: avec elegance", a ser ministrada pelo mestre em técnicas de escavação em vegetações rasteiras, o romeno Georgi Letchkov.

Ao fim da conferência de abertura, fui cumprimentar Georgi, que muito entusiasmado com os elogios que os ultimos resultados de seus estudos tinham recebido, me disse a boca pequena, "preciso apresentar alguém a você, um homem que está reinventando a fotossíntese".

Fiquei muito curioso e prontamente perguntei pelo nome de tal gênio, e eis que Georgi me responde, "é um homem muito sereno, um verdadeiro mestre da discrição. Na Romênia é conhecido como Daniel Lupesco, mas têm assinado importantes trabalhos científicos mundo afora no campo da jardinagem doméstica como Jaca".

Senti profunda emoção ao ouvir as palavas do professor Letchkov, e imediatamente seguimos para seu room office no hotel do evento, onde Jaca estava acompanhando a conferência por computadores de bolso.

Uma nostalgia tomou conta do ambiente, e todos começamos a conversar em tchaiquo, a língua oficial dos jardineiros domésticos profissionais. E passamos 5 dias seguidos a conversar sobre as tendências da jardinagem mundial, e sobre os rumos que nosso campo de estudo deveria tomar naquele momento. Tomados por uma forte motivação nao notamos o tempo passar, entre doses de suco de banana e laranjas sem casca, afinal Jaca sempre foi muito ligado as frutas.

Preocupados com o cenário dos jardins na américa, decidimos ter com o então ministro da economia argentina, Cavallo.

Ao saber de nossa presença nos portões da casa rosada, o ministro Cavallo nos recebeu com um banquete á moda islândesa, no qual vários pássaros semi-mortos foram servidos com caldinho de codornas e molhos a base de mandioca crua. Iguarias sem precedentes ao paladar do professor Letchkov, já que Jaca muito acostumado estava com o requinte da boa mesa.

Ao fim da brilhante refeição Jaca pediu a palavra, fincou seus olhos de lince na direção da janela principal da sala em que estavamos, e como num gesto mágico entoou assobios na linguagem universal dos animais. Em poucos segundos pássaros, minhocas e formigas se amontoavam na direção da janela, e Cavallo, muito admirado foi às lágrimas ao notar a sensibilidade social de Jaca.

Em seguida aos assobios, Jaca explicou nossa preocupação ao ministro, "hoje vivemos dias cruéis em que animais silvestres e insetos aqúifreos são pisoteados com frequencia, abelhas tunisianas e coelhos da páscoa estão sendo vítmas do frio e da falta de abrigo, sem falar na má sorte das cobras marroquinas. É preciso repensar toda a estrutura dos jardins mundiais."

Seguiu em exposição de slides sobre o desequilíbrio da cadeia alimentar e o problema da fauna brasileira, explicou o risco que os córregos mineiros corriam de serem extintos, e discorreu em tom de bravata a favor da transposição do ribeirão de mar de espanha.

Ao fim, o ministro Cavallo postou suas mãos em meus ombros e disse, "Este homem é um patrimônio da humanidade, um gentleman das florestas, um homem-aranha da mata atlântica"

No dia seguinte os jornais faziam referência a grande reunião da noite anterior, destacando o brilhantismo do professor Georgi Letchkov, sem única referência a Jaca. Através de seus contatos asiáticos na mídia argentina, Jaca conseguiu se manter longe dos holofotes. Um amante da discrição.


Até a próxima