Há um vício em andamento. As letras vivem seu pequeno deleite sempre que por elas passam os olhos dos leitores. A vida há nas letras ou nos olhos de quem lê? sentencia o conhecedor: há de ser nas mãos de quem escreve. Evite esforço, aqui não há espaço para respostas. É a contrução que nos interessa, o caminhar, o processo, a empresa de fazer um pensamento. Espaço da criação do futuro da literatura brasileira. Ler e escrever: o remédio para o vício da criação.

20 junho, 2009

Bruxelas e a problemática do futebol brasileiro

Escrevo este post diretamente do Hotel Des Colonades em Bruxelas, capital da Bélgica e sede do Parlamento Europeu.
Como tem sido padrão nesta minha experiência européia, vivenciei hoje mais uma situação muito curiosa.

Após uma viagem belíssima partindo de Paris, cheguei em Bruxelas no meio da tarde e encontrei uma cidade fria e nublada. Um rápido passeio pelo centro seguido por um belo jantar num restaurante pequenininho numa rua próxima a praça do Hotel de Ville. Uma deliciosa Paella.

A Cidade é pequena, muito fácil de se percorrer toda a pé. O norte é feito de uma arquitetura extremamente moderna e pungente, que remete ao polêmico bairro La Defense em Paris, odiado por boa parte dos franceses. O centro histórico é aconchegante e semelhante a uma maquete de tamanho real, parece de brinquedo.

Depois de provar 5 tipos diferentes de cervejas belgas, decidi voltar ao hotel para dar continuidade a leitura de "A Arte da Política3, de Fernando Henrique Cardoso. Até parece estranho, mas aos meus olhos e pensamentos é uma leitura que tem tudo a ver com esta visita a cidade mais importante para a política no Mundo.

Então o universo mais uma vez conspirou ao meu favor, me oferecendo a oportunidade de estar presente em mais um momento interessantíssimo aqui na Europa.

Estava no Bar do hotel tomando um café e degustando o belo livro de nosso ex-presidente, quando o Bar Men decidiu mudar o canal da televisão: do tradicional jornal das 22hrs da TVF para um episódio dublado em francês do seriado americano 24 Horas. Como fiquei nervoso. Os que me conhecem sabe sou um grande fã da série e de Jack Bauer, e não tenho acompanhado a atual temporada por estar vivendo na França. Me concentrei para não prestar atenção no episódio. Como 20 minutos depois o inquieto Bar Men mudou outra vez o canal: Africa do Sul x Espanha, ao vivo pela Copa das Confederações. Neste momento chega ao bar um homem aparentando seus 50 anos e pede uma cerveja.

Muito simpático, me pergunta se sei o resultado da outra partida do grupo, entre Irã e Nova Zelândia. Naturalmente perguntei se ele era Neozelandês dado seu interesse. Me respondeu que não, que na verdade é um americano nascido e criado na antiga Ioguslávia, de dupla nacionalidade. E após eu explicar que sou brasileiro vindo do Rio de Janeiro, travamos uma conversa muito especial sobre as questões políticas que envolvem as convocações dos jogadores da selação brasileira.

Foi surpreendente observar a lucidez com que o homem explicava suas opiniões, dando exemplos sobre a influência das federações estaduais, e criticando os regulamentos e benefícios dos nossos campeonatos estaduais! absolutamente incrível e inesperado.

Uma belíssima conversa que por si só já valeu a viagem. Amanhã visito a academia de Belas Artes e o museu nacional antes de retornar a Paris para assitir o fim da famosa Fête de la Musique, tradicional festa que abre o verão francês com bandas tocando em todas as ruas e esquinas de da cidade.

A Espanha venceu por 2 x 0, mas a Africa do Sul se classificou pois a Nova Zelândia empatou por 0 x 0.

13 junho, 2009

O morro do dendê no Rio de Janeiro

O Morro do Dendê é considerado a terceira maior favela carioca. Estima-se que cerca de 90 mil pessoas vivam na comunidade. Está situado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, na Ilha do Governador, localizado em sua parte central, abrangendo os bairros Jardim Carioca, Cocotá e Guarabu. O Dendê faz vizinhança também com os bairros Cacuia, Moneró e Tauá.

Esta favela foi reduto do traficante Marcelo PQD, e atualmente é muito citada nas páginas policiais pela crueldade do criminoso Fernandinho Guarabu, que controla o território desde a prisão de PQD, seu rival.
O Morro do Dendê é também considerado um dos QGs da facção criminosa Terceiro Comando Puro (TCP)que tem bastante força na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro e em alguns pontos da zona norte.

Fonte: Wikipedia
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SÃO PAULO - Foram os próprios autores do "Rap das armas", que anima o baile de abertura do filme "Tropa de elite", que cantaram, ao vivo, na seqüência rodada no morro da Babilônia, na Zona Sul do Rio. Ícones do funk de protesto nos anos 90, MCs Júnior e Leonardo foram recrutados pelo diretor, José Padilha, para criar a trilha do longa, que levou 178 mil pessoas ao cinema no primeiro fim de semana.
- Tínhamos acabado de deixar a praça (os músicos estavam trabalhando como taxistas) e o Padilha nos pediu alguns raps. Lemos o roteiro e fizemos 16 - conta Leonardo, que, em 1995, ganhou projeção nacional por conta de "Endereço do baile". "Rap das armas" foi lançada também naquela época.
- O que nos orgulha é saber que a música manteve a sua força - diz. Apenas duas canções das 16 compostas estarão no CD da trilha do filme, que chega às lojas no mês que vem - além do "Rap", entrou na seleção a inédita "Nossa bandeira". As demais 14 canções devem ser lançadas em outro CD, "A voz da comunidade."
- Estamos em negociação com a EMI - antecipa Leonardo, que pretende ainda lançar o DVD do show gravado em 2006, no Rio.
- O show é um panorama da nossa carreira e tem participações da Fernanda Abreu e do Monobloco.


Fonte: Jornal O Globo

05 junho, 2009

O morro do dendê em Paris

Ontem a L'Oreal completou 100 anos de existência, num dia repleto de grandes comemorações. Um café da manhã num famoso teatro na champs elysee, filmes, discursos, bolo, chocolate, champagne e vinho rosé. Presentes, livros de história, perfumes, cafezinhos, almoço especial e festa no fim do dia. Uma jornada realmente inesquecível, principalmente para um brasileiro que sortudo veio estagiar na empresa bem no ano de seu centenário e presenciou um momento histórico.

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Os poucos brasileiros com quem mantenho convívo aqui são pessoas bastante interessantes, artístas, fotógrafos e cineastas. Uma das conversas mais recorrentes e estimulantes sempre gira em torno da presença da cultura brasileira em Paris. Logo no dia de minha chegada tomei um vinho com Fábio Nascimento, meu nobre amigo de épocas já distantes de uma Juiz de Fora jornalística e etílica. Fábio vive há algum tempo aqui, estudante de cinema da Sorbonne, durante nossa conversa, me contava que um de seus ensaios escritos durante o mestrado foi justamente sobre o filme Tropa de Elite. Assim como no Brasil, a história do Capitão Nascimento também fez muito sucesso na França. "Samba", "Carnaval", "Ronaldinho", "Niemeyer" e "BOPE", muito naturalmente, são as palavras que eu mais ouvi por aqui ao dizer que venho do Brasil.

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A festa de comemoração do centenário da L'Oreal estava uma beleza. Ótimas bebidas, pessoas todas muito bem educadas e felizes por presenciarem este momento especial. Havia um DJ tocando músicas que eu suponho serem sucessos nas paradas européias, além de clássicos do pop mundial em versões remixadas. Tudo muito cult, muito cool, muito chic.

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Então algo muito estranho começou a acontecer. Por alguns momentos eu simplesmente achei graça, ora bolas, afinal seria apenas minha imaginação fantasiando melodias inexistentes. Não posso dizer que tudo se passou muito rápido logo nos primeiros acordes, afinal não havia acordes. Havia um ritmo, uma batida que me batia os ouvidos tal como um porrete por sua familiaridade. Achei mais estranho ainda a reação dos francêses. Me senti Levi Strauss chegando no Brasil e vendo as danças macabras das tribos indígenas. Um arrepio profundo me subiu pelas costas quando ouvi os franceses gritando junto com a música "paparapaparaparapatibum", como se num estádio de futebol (brasileiro). Eu não acreditei. Não era plausível ou era o champagne, porém eu tinha a noção de que bebia pouco, tudo muito controlado. O mainstream francês reunido em alta classe, belos vestidos e ternos de luxo que agora se arrastavam pelo chão ou eram balançados no ar pela maré de braços que os içavam ao alto. Então a cena era: Eu, brasileiro e carioca, muito contido, sorriso amarelo mexendo discretamente as cadeiras Vs Os Francêses em alta elegância, transtornados, descontrolados numa dança frenética e hipnótica. Isto sim é ironia, ou inversão de posições. Eles murmuravam algo numa língua que não existe e que se assemelhava a "Morro do dendê é ruim de invadir, nóis com os alemão vamos se divertir, porque no dendê eu vou dizer como é que é, não tem mole pra PM....".
Até agora foi o momento em que eu fiquei mais emocionado aqui em Paris.

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Fiquei tão atônito que demorei a ligar os pontos e perceber que todos ali conheciam a música devido ao sucesso de Tropa de Elite. Eles porém não sabiam o que cantavam. Não sabiam que os autores da música moram na favela e conhecem de perto a verdade que se passa no filme. Não sabem que o conteúdo da letra da música é extremamente agressivo e narra cenas de uma guerra urbana. Eles não sabem tudo aquilo que nós brasileiros sabemos, tudo aquilo que é responsável pela formação do preconceito horroroso e hipócrita que é padrão na classe média e elite no brasil.
Eles apenas compreendem a linguagem artística, entendem a música e sua harmonia, e sua melodia e desfrutam disso como podem. A favela carioca é um lugar do qual não devemos nos envergonhar como fazemos hoje. Nela também se produz coisa boa, e com ela podemos aprender coisa boa. Eu fico pensando como se sentiriam os garotos que fizeram este funk do morro do dendê se estivessem ali no meu lugar. Talvez tenha sido este pensamento o que provocou a minha profunda emoção ontem. Fiquei muito orgulhoso deles.

02 junho, 2009

Sambando na lama de sapato branco

A música que toca no Montmartre é muito boa. Pianos e baterias que armam um pano de fundo fundo jazzístico parfeito para um fim de tarde de céu azul e brisa agradável. Fui descendo a colina com o jazz na cabeça. Quando atravessei a última rua antes do metrô deu curto, e chico buarque surgiu de repente. Segui cantarolando.
Quando fico resfriado evito cantar, fico apenas sussurrando melodias. Caminhei tranquilamente pela plataforma do metrô e sentei num lugar onde não havia ninguém justamente para poder cantarolar em paz. Um casal dos mais estranhos sentou bem ao meu lado. O rapaz era ruivo como meu primo João Vitor, e sardento como minha namorada Rafaela. A moça tinha cara de gente que vem do Vietnã ou Tailândia. Ficaram falando baixo, expressões estranhas, tal qual muitos casais por aqui. Eu fiquei aborrecido com a chegada deles, perdi o clímax de cantarolar a música do chico. Quando fico resfriado minha voz fica horrível, não consigo acertar uma nota. Fiz de propósito, cantei alto para incomodâ-los, "sambando na lama de sapato branco, o grande artista tem que dar o show...". O olhar fulminante que a moça do Vietnã lançou em minha direção não deixou dúvidas e eu imediatamente fiz a pergunta "brasileiros". "Sim, e você também né", disse o rapaz com um semblante de alívio. Perguntei se moravam aqui ou estavam de passagem, disseram que de passagem. O rapaz mora na alemanha. São de Florianópolis. Antes que eu dissesse de onde eu sou eles já foram afirmando "carioca né, o sotaque não nega". Perguntei até qual estação seguiriam e disseram "saltamos na próxima". Me restou comentar como Paris é bonita, e como resposta o rapaz disse "é tudo bonito, mas eu quero ir embora, estou há 5 meses e sinto falta do Brasil". Eu respondi que é foda mesmo, "eu vivo sozinho aqui, é mais difícil". Em poucos segundos o trem chegou na estação seguinte e ele ainda dizia que tem um primo morando com ele, o que tornou a adaptação mais fácil. O trem parou e as portas se abriram, "bom, foi um prazer, boa sorte", "prazer, boa sorte". Mais duas estações e eu cheguei em meu destino. Fui saindo da estação feliz da vida e cantando, "sambando na lama de sapato branco, o grande artista tem que dar o show". O único pedaço da musica que eu lembro

Camus sou eu

A infância em Minas Gerais atiça umas vontades curiosas nas crianças que acabam se tornando estranhos hábitos durante a adolescência. Eu digo isso não apenas por ter crescido no interior de minas e conhecer de dentro de mim mesmo estes faniquitos, mas principalmente por observar um bocado de amigos que assim também o são. O menino que cresce em minas vai levando a vida numa toada boa de lenta, ao ritmo da bicicleta, do cavalo pangaré, da bola. Mas há nisso tudo uma pressa curiosa que anda na espreita, anda por baixo dos panos, por baixo das saias. O amor florece cedo nas Minas Gerais. E tudo é num segundo. O garoto aprende desde o princípio que há o momento certo de todas as coisas, não adianta deixar pra depois o que só pode ser sentido no agora, é colocar a coisa no lugar certo e na hora certa. Eu trouxe comigo para a vida adulta essa noção de que há questões que não podem ser adiadas, assim como há questões que precisam ser adiadas para que possam ser verdadeiramente desfrutadas. Seria esta então a principal instrução dos amantes. No dia em que completei 17 anos fui até uma livraria para escolher meu presente. Desde os 15 anos cultivo o hábito de me presentear no meu aniversário. Comprei dois livros, entre eles O Estrangeiro de Albert Camus. Não entendo com precisão o motivo, mas a leitura deste livro me remeteu o tempo todo à infância. Talvez pelo fato de eu ter sido realmente um estrangeiro em minha própria terra enquanto criança, é minha hitpótese favorita. Eu sofri lendo Camus, a cada frase eu pensava "que filha da puta este escritor, vai derramando esta sua depressão em cima dos leitores tal qual se espalha uma epidemia de tristeza". Eu realmente sofri lendo Camus, mas li o livro todo em dois dias, dois pequenos intervalos, sendo um para dormir e outro para tomar um café forte. Ao fim das primeiras cinco páginas, mesmo amargurado eu já tinha a clareza sobre como deveria ler aquele livro. Não havia escolha, ou iria até o final ou não nunca mais o leria de novo. Como era presente de aniversário comprado com meu própdio dinheiro eu não hesitei.

Dias antes minha professora de literatura, Elizabeth, havia explicado o conceito de catarse. Eu só pensava na tal da catarse enquanto lia Camus. Era a metáfora da minha infância, adolescência talvez. A lição de não perder o clímax estava posta à prova.
Hoje fui passear pelo Montmartre, um lindo bairro de Paris, famoso por ter abrigado grandes artistas como Dali e Goya. Eram nove da noite e o sol começava a se pôr quando a escadaria da catedral Sacre Coeur ficou tal qual um formigueiro. Era chinês, francês, travestis brasileiros, lésbicas húngaras e mais um monte de gente que é difícil de saber de onde vem. Fiquei ali sentadinho olhando para a cidade, do alto da colina de Montmartre. Lembrei de Camus, que era francês. Lembrei de minas, pensei no que tem sido a minha vida e me senti um estrangeiro.