Adorou subir na jabuticabeira pela primeira vez, e colher com seus próprios dedos as jabuticabas. Sujou as unhas, os pés, porque subiu descalça, e o branco do vestido ficou manchado com o vermelho do fruto. Ainda em cima da árvore já comia as frutas, e se deliciava, pois estavam doces, principalmente as maiores. No ar, o aroma das jabuticabas tomou conta daquele instante. Aroma forte, o sol se pondo, aquele brilho amarelado e laranja bonito do fim do dia, o cheirinho da terra, o espírito completamente apaixonado por aquele momento. Ela gostou de olhar para seus pés sujos de terra, amarelados, tinham a cor da jabuticabeira. Gostou de pensar que se parecia com algo assim tão natural, que talvez até fizesse parte daquela árvore. Teve então um pensamento: porque deus a haveria de ter feito mulher, se ao invés, tivesse a concebido como outra coisa, até mesmo como jabuticabeira, não teria sido ela menos só, não teria sentido tanto a falta de um amor. Então, com a mão direita cheia de jabuticabas, escolheu uma, a que a ela pareceu ser a mais bonita. Mordeu mais uma vez o fruto, e a essas alturas o gosto doce já a fazia pensar em tantas tristezas, em tantas desgraças das que acontecem na vida, que pensou em deus mais uma vez. Ele ao menos deu a ela o dom sentir a doçura em sua boca, fosse mordendo maçãs, as jabuticabas ou as outras bocas. Ficou tão encantada com esse gosto doce, que pensou: é como se a boca ficasse encantada, e quanto mais durasse esse encanto, a alma também se encantasse, porque o que atinge a boca costuma atingir também a alma. O que se sente na boca também se sente na alma, na boca começa a alma e o encontro das bocas é também o encontro das almas.